Houve época em que poderiam me considerar um antropocentrista inveterado. O Homem era a medida de todas as coisas. Nada do que se pensasse ou fizesse na Terra – quem sabe em outros astros – perderia todo o sentido, se daí não resultasse a melhoria das condições de vida do animal que se diz, cada dia com menor ênfase e razão, o animal superior. Ênfase e razão, pode perceber-se com facilidade, cada dia mais escassas. A primeira, em função da segunda. Como dar ênfase à condição dita humana que leva a atos como os que estão se repetindo, dia-pós-dia, nos diversos continentes? Onde encontraremos razões minimamente desejáveis, quando russos e ucranianos e seus respectivos incentivadores ameaçam criar outras Nagasaki e Hiroshima? Cria-las, não como algo que deve permanecer. A criação, neste caso mera repetição de fato memorável, na verdade é o gesto inicial e paradoxal da destruição premeditada. E se diz que são homens os que se matam uns aos outros e os que determinam a matança coletiva! Também é obra de quem reivindica o status de humano a destruição das florestas, a poluição das águas e do ar, a morte porque falta oxigênio, em hospitais que sequer têm unidades de terapia intensiva satisfatoriamente instaladas. Mais grave, há os que, aparência de supostos praticantes das mais distintas fés, engajam-se em ações de que o ódio é a inspiração. Época em que os livros cedem lugar às armas mortíferas, grande parte dos recursos que deveriam destinar-se à saúde e à educação serve à multiplicação dos arsenais e à construção nada edificante de penitenciárias. A segurança dos que (des)governam sendo mais importante que a segurança dos que, maldosa ou ingenuamente, lhes propiciam o exercício de mandato popular. Nem falemos dos que, escravos do dinheiro, usam-no para ter à sua disposição outros escravos, a que o dinheiro não consegue oferecer sequer o aperfeiçoamento humano. Inadvertidos da sentença de Basílio, Bispo da Antióquia (sec.IV), para quem o dinheiro é o esterco da sociedade, contentam-se com as migalhas recebidas, a paga de sua subserviência e submissão.
Pois é gente de toda espécie a que se presta a esse mau serviço. A tal ponto, que as eleições, tidas e havidas por muitos até recentemente como a festa da democracia, acaba por transformar-se em espetáculo deprimente. Nela tudo vale, desde que sirva ao propósito malsão de numerosos dos que se inscrevem para concorrer. Importa-lhes pouco o conceito que a sociedade fizer deles, porque se julgam quase todos humanamente superiores àqueles de quem pedem votos. Se ocupam postos que põem nas mãos a capacidade de aplicar recursos públicos, não titubeiam: usam tais recursos no negócio que mais lhes assegure a conquista do mandato pretendido. Se não é o caso, vendem-se à melhor proposta oferecida, às vezes desvestindo a pele de cordeiro com que enganaram durante algum tempo os incautos mais próximos. Importa-lhes, sobretudo, incensar e inventar qualidades e virtudes inexistentes no aliado que poderá tira-los do anonimato merecido e da obscuridade em que sempre sobreviveram. (Dizer que indivíduos desse jaez vivem parece força de expressão). O troca-troca de partidos, em plena operação, é mais que a busca de realizar sonhos tão trágicos e vergonhosos. É apenas o retrato do que entendemos por democracia.
Como permanecer otimistas, quando essa é a sociedade na qual estamos mergulhados?
o antropocentrismo me parece estar ancorado à ideia de que fomos criados à imagem de Deus e que por isso nos consideramos o senhor do destino das demais espécies e do próprio planeta.