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O silêncio da filosofia e a sonoridade da tolice arrogante


José Alcimar de Oliveira*

 

Mesmo o tolo, quando se cala, passa por sábio, por inteligente, quando fecha os lábios (Pr 17,28). O insensato não gosta da inteligência, mas de publicar o que pensa (Pr 18,2).

           

  01. Deve ser diuturna a luta da filosofia diante da hostilidade da tolice a cada dia mais arrogante. É no mínimo infame comparar a tolice arrogante do ser dito humano à bela e sonora ave da espécie dos psitacídeos. Os dicionários se querem neutros em seus registros. Papagaio, em sentido figurado e dicionarizado, é alguém que se dedica a repetir o que leu ou ouviu sem compreender o sentido. Mas como seria isso num dicionário psitacídeo?

02. É a cultura, não a natureza, que produz ignorância. Conceito carregado de armadilhas, cultura é também uma forma de prisão. Jamais para os psitacídeos, que são completos, livres e alegres em sua natureza alheia à cultura. A filosofia, desde suas origens, se constituiu como filosofia da natureza, mas gradativamente afastou-se de sua gênese, até se tornar razão instrumental, predatória, antinatural e antispinozista.

03. Os psitacídeos são imunes à tolice e à tagarelice humanas sob disfarce de cultura. Não há papagaios falantes, mas tolos falantes, e é a cada dia mais desmedido o poder que o mundo da inteligência dita digital confere à tolice. O capital no século XXI coloniza corações e mentes pela tolice. É um erro perigoso subestimar o poder da tolice, sobretudo nesses tempos tomados pela arrogância ignorante, de livre circulação no mundo digital.

04. Repetir o que leu ou ouviu sem a devida compreensão pode ser ainda mais grave e danoso quando o que não passou pelo filtro da compreensão é verbalizado aos quatro ventos, urbi et orbi, e sob forma adulterada. O filósofo Immanuel Kant, nascido há exatos três séculos, via mais perigo em não ser compreendido do que ser refutado. O ato de compreender implica silêncio reflexivo e paciência conceitual.  

05. Desde Francis Bacon e Descartes o pensamento ocidental repete que conhecimento é poder e que o ser humano, reduzido à forma de coisa pensante (res cogitans), deve se impor como mestre e senhor da natureza. O otimismo desse solo epistemológico, ao definir o ser humano como arrogante e inflada consciência cognoscente, pouca ou nenhuma importância deu ao poder da ignorância. E a ignorância se fez digital.

06. O que pode a filosofia diante do poder da ignorância digital? O que pode esperar a natureza diante da cultura das mãos invisíveis (mas sujas e predatórias) do capitalismo digital? Como deter a velocidade da ignorância, do preconceito, do ódio ao pensamento, da permanente afronta à cultura filosófica? Reaberto o vaso de Pandora do capital, os males escaparam, menos um, o mal da ignorância, hoje sob disfarce digital de esperança.

07. Nietzsche considerava a esperança o pior dos males, pois dele decorre o prolongamento do suplício da humanidade. O que pensaria hoje da ignorante esperança digital? Sartre, para quem o ser humano é uma paixão inútil e carente de sentido, e em oposição ao mal da esperança, que a um só tempo pode ser ilusório e paralisante, recomendava agir sem esperança. Talvez a dizer: se alguma esperança houver, será a que nasce da ação.

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*José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra, base da ADUA – Seção Sindical.

É filho do cruzamento dos rios Solimões (em Manacapuru – AM) e Jaguaribe (em Jaguaruana – CE). Em Manaus, AM, aos 16 de agosto de 2024.


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