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Filosofia, conhecimento e as teses de Marx sobre Feuerbach


Meu povo está morrendo por falta de conhecimento. Porque você rejeita o conhecimento, eu também o rejeitarei (...) (Os 4,6).

José Alcimar de Oliveira*


01. No ano 300 do nascimento de Immanuel Kant (1724-1804) o mundo e o Brasil – sobremaneira – seguem no avançado contracurso do otimismo kantiano sobre o progresso da razão iluminista, que enxergava no devir do esclarecimento um tipo de determinação original da natureza humana. Bem antes de Kant, e sob diferentes formulações, Aristóteles (com a tese do desejo natural de conhecer) e Descartes (ao afirmar a partilha universal do bom senso) já haviam pensado nessa mesma direção filosófica.

02. Gaston Bachelard, autor referencial da reflexão epistemológica contemporânea, ao elaborar uma psicanálise do conhecimento e reconhecer sua gênese libidinal, escreve que “a criança leva à boca os objetos antes de conhecê-los, para conhecê-los”. Estamos aí diante de uma epistemologia da criança, não para a criança, orientada pela mediação libidinal e paradigmática do processo cognitivo. A criança nos ensina. Mas quem ainda reconhece e dá a devida atenção à filosofia da criança?

03. Bachelard, seguramente, nunca veio ao Brasil e muito poderia ter aprendido, na Amazônia sobretudo, se houvesse em sua tese libidinal sobre o desenvolvimento cognitivo tido a oportunidade de acompanhar a relação sujeito-objeto a partir da forma de vida das crianças indígenas. Vem de Gandhi o princípio pedagógico de que a educação das crianças deve se iniciar pelas mãos, jamais pela forma cartesiana, racional e dicotômica entre mundo do sujeito e mundo do objeto.

04. Se a busca do esclarecimento, como assinala Kant, é uma original determinação da natureza humana, trata-se de reconhecer e garantir às crianças as condições materiais e pedagógicas para o livre e saudável exercício desse direito. Hábil em fabricar brinquedos, mercantilizar a infância e matar nas crianças a potência libidinal de sua determinação cognitiva, a magna didática do capital instrumentaliza e inocula no mundo infantil a terrível tirania do consumo exercida sobre o mundo adulto.

05. Afinal, o que tem a ver “as teses de Marx sobre Feuerbach” com o processo cognitivo das crianças, com a base libidinal de seu desejo de conhecer? As “onze breves teses” recuperam a base prática (e por isso libidinal) do processo do conhecimento. A relação teoria-prática, sujeito-objeto, é antes de tudo uma questão ontológica. E a primeira manifestação desse princípio ontológico repousa em seu caráter predominantemente libidinal. Trata-se da prática como critério da verdade.

06. Nas breves “onze teses de Marx sobre Feuerbach”, escritas em Bruxelas no ano de 1845, e tornadas conhecidas somente em 1888, graças a Engels, temos o mais curto (pouco mais de duas páginas e meia em versão impressa) polêmico e dialético texto marxiano sobre uma ontologia social do conhecimento. As crianças nos ensinam, com mediações libidinais (e Marx com o conceito de práxis), que a prática é a chave epistemológica para compreender corretamente o processo cognitivo.

07. As concepções de Marx e de Bachelard, distintas, mas complementares, nos ajudam a dar efetividade material ao que Kant concebera como projeto teórico do iluminismo: só é possível realizar o esclarecimento como determinação original da natureza humana quando o ser humano for compreendido como ser social, socialmente constituído, e reconhecermos que o sujeito do conhecimento não é uma realidade solipsista, como queria Kant, mas antes um sujeito social.

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*José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra, base da ADUA – Seção Sindical e filho do cruzamento dos rios Solimões (AM) e Jaguaribe (CE). Em Manaus, AM, 23 de junho de 2024, aos 300 anos do nascimento de Immanuel Kant.

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