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E agora, José?




E agora, José?


Lúcio Carril*


Foi assim que o poema José, de Carlos Drummond de Andrade, ficou conhecido. Virou até música cantada por Paulo Diniz, num único vinil que o fez famoso.

Foi publicado em 1942, no livro Poesias, quando o Brasil estava imerso na ditadura varguista do Estado Novo.

José vive a crise da existência num mundo tomado pela desesperança e pela angústia. Não tem onde se apegar, “o povo sumiu, a noite esfriou”. O desespero toma conta.

Foi assim que lembrei de “José” na noite de domingo, após sair o resultado das eleições em Manaus. Bateu um desespero, uma angústia, me senti “sozinho no escuro, qual bicho-do-mato…sem parede nua para me encostar”.

Não é possível seguir esse caminho quando havia outro para ser trilhado, com esperança, coragem e alegria. A escolha por não abrir a porta não se deu por não existir porta. Os rios secaram, mas não era pra pensar em morrer no mar, José.

Nunca foi sonho ou desejo viver sem discurso, sem carinho, não poder beber, fumar, sequer cuspir. Não dá pra viver na escuridão porque o “riso não veio, não veio a utopia e tudo acabou, tudo fugiu e tudo mofou”. Não era pra ser assim, José.

Você deixou Manaus na desesperança, no medo, no desamparo.

Pode ter sido um “instante de febre, sua gula e jejum”, mas nunca sua biblioteca. Talvez sua incoerência, seu ódio. E agora?

Tantas privações, tanto sofrimento vivido e mesmo assim a escolha foi pelo autoflagelo, sem cerimônia, sem vergonha, sem medo de continuar a caminho do cadafalso.

Quando Drummond escreveu José, a censura, a perseguição e a tortura grassavam no Brasil. Na poesia, projetou todo seu desespero com a realidade.

No Brasil de hoje ainda enfrentamos o monstro da barbárie, que não se esconde mais atrás de falsos discursos, mas simplesmente empunha a bandeira da violência, da intolerância religiosa, da  perseguição preconceituosa, do racismo, atraindo milhões na sua cruzada fratricida, para tristeza do amor.

Você colocou Manaus nessa trilha tresloucada. Agora, não há como morrer no mar, pois o mar secou, nem abrir a porta, pois não existe porta. Não temos cavalo preto que fuja a galope.

“Você é duro, José!”

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*O autor é sociólogo.


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