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DOM HELDER: CONTRADITÓRIA SANTIDADE EM PESSOAQUE SE FEZ CÂMARA LIBERTÁRIA DOS POBRES


José Alcimar de Oliveira*


(Helder Pessoa Camara) ...desordeiro dentro da ordem, revolucionário pacífico, entusiasta

desconfiado, líder humilde, brincalhão sério, amigo astuto. Um homem que exerce a função episcopal

de um modo que mal se enquadra em esquemas tradicionais (Eduardo Hoornaert).

01. Helder Camara: Quando a vida se faz Dom é o título de uma

bela, rica e heterodoxa biografia do mais vermelho e execrado bispo da

história da Igreja no Brasil: Dom Helder Pessoa Camara. Foi escrita pelas

mãos do bem, pela mente lúcida e pela visão da história longa de Eduardo

Hoornaert, jovem historiador e teólogo nascido belga, à beira de completar

94 anos neste 2024 e que há 66 anos se fez brasileiro e cidadão do mundo a

partir do Nordeste irredento, mais agredido pelas cercas do capital do que

pela seca.

02. Hoornaert é um pensador referencial para a história da Igreja

na Amazônia e para a história das origens do cristianismo. Do belo

encontro tecido de bons afetos nazarenos e spinozistas entre o historiador

(Hoornaert) e o bispo (Helder) nasceu o relato-testemunho em forma de

biografia dessa figura a um só tempo santa para o povo dos pobres e

satanizada pela ditadura empresarial-militar brasileira, instalada com o

Golpe de 1964. O mais subversivo dos bispos mal cabia numa surrada

batina branca, destituída de poder e ostentação.

03. A maior luta de Dom Helder não foi contra o poder do

autoritarismo (eclesial e militar), mas contra o próprio Dom Helder. Nele,

em sua figura exteriormente frágil e interiormente vulcânica, a contradição

se fez fértil em vida, pensamento e ação, o que se manifesta na travessia

incomum de sua adesão inicial ao integralismo de filiação nazifascista para

a resistência abraâmica ao poder reacionário. Fez da direita para a esquerda

a rota que leva à justiça como fundamento da paz.

04. São poucas no mundo as existências, como a de Dom Helder,

que fizeram de cada situação limitante um desafio para crescer e

humanizar-se como pessoa por meio da construção de um projeto comum

do bem conviver. No sofrimento de uma vida sofre a humanidade inteira.

Vem dele o belo projeto de formação das Minorias Abraâmicas, cujo

roteiro encontra-se no pequeno e ousado livro O deserto é fértil. A gênese

da missão de Dom Helder está mais na Palestina do Movimento de Jesus do

que no Vaticano. Silenciado no Brasil, falou ao mundo a partir de sua base

itinerante em Olinda e Recife.

05. Neste 27 de agosto de 2024 completam-se 25 anos da partida

de Dom Helder Camara do tempo e espaço da imanência histórica, que ele

soube viver com o mais elevado espírito de transcendência, para o lugar da

eternidade como coroação de uma vida que nunca se deixou limitar pelas

forças reacionárias do mal, que envenenam o espirito dos pobres com a

crença de que a justiça do além pode compensar as misérias do aquém. A

defesa da vida se inicia onde se vive ou, por força das desigualdades sociais

do mundo capitalista, onde se é impedido de viver. Para Dom Helder é

falso, ideológico e anticristão o discurso que tenta justificar para os pobres

a negação da vida antes da morte com a promessa de vida após a morte.

06. Dom Helder foi antes de tudo um místico, não um místico que

se aparta do mundo como ele é e se refugia numa espiritualidade imune às

contradições da imanência histórica. Sua mística se alimentava da fé e da

política. O cristianismo para ele, como no tempo dos primeiros cristãos, era

Caminho, Movimento, Missão, Passos, o que é muito diferente de religião,

sempre mais afeita ao imobilismo dos Paços e ao bem-estar dos ritos vazios

de uma vivência aburguesada da fé. Helder não morava em palácio

episcopal e fez de sua residência uma casa de portas abertas, com a sala

ligada à rua, receptiva ao mundo dos pobres e em luta contra a pobreza.

70. Hoornaert, em sua biografia de Dom Helder, encontra no

filósofo Baruch Spinoza uma possível e instigante resposta aos

questionamentos sobre a força interior, intuitiva, mística, que movia

pensamento e vida desse profeta na periferia do capitalismo: trata-se do

“amor intellectualis Dei”, “não de uma intuição despojada de razão, mas de

um amor a Deus que passa pelo crivo da inteligência e se baseia na razão.

O religioso autêntico cultiva a inteligência, não renuncia a ela”. É razoável

dizer que o místico Helder complementa Spinoza ao incluir Mundus (dos

pobres) na célebre equação Deus sive Natura.

____________________________________________________________________________

*José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra, base da ADUA-Seção Sindical e filho do cruzamento dos rios Solimões (em Manacapuru-AM) e Jaguaribe (em Jaguaruana-CE). Em Manaus, AM, 27 de agosto de 2024, aos 25 anos da partida de Dom Helder Camara.

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