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Disse-o bem

Foto do escritor: Professor SeráficoProfessor Seráfico

Mary Zaidan*


Não é por Antônio Cláudio, que arrebentou o relógio histórico de Dom João VI no Palácio do Planalto. Tampouco por Fátima Mendonça, conhecida como Fátima Tubarão, que botou pra quebrar dentro do STF, ou por Débora Rodrigues, aquela da pixação com batom – “perdeu mané”- na estátua da Justiça. A anistia é para Jair Bolsonaro. Como se fosse em nome dos condenados dos atos do 8 de janeiro, para os quais se lixam, o ex e os seus turbinaram o debate da anistia e, de quebra, querem ainda mudar a Lei da Ficha Limpa para reduzir inelegibilidades. Como este país normaliza absurdos, os dois temas têm chances reais de sucesso.

O novo presidente da Câmara Hugo Motta (Republicanos-PB), que nega ter negociado com bolsonaristas a inclusão dos dois projetos em apoio à sua eleição, deixou os temas em banho-maria na primeira entrevista pós-posse, afirmando que os discutiria com os líderes das bancadas. Antecipou que achava muito tempo os oito anos de inelegibilidade da Ficha Limpa, mas não bateu martelo sobre colocar a questão em pauta. Tentou agradar a gregos e troianos.

A postura de suposta isenção durou pouquíssimo. Na sexta-feira, para alegria de Bolsonaro, Motta encampou a narrativa dos apoiadores do ex de que o 8 de janeiro teria sido um ato de baderneiros. “Golpe tem que ter um líder, uma pessoa estimulando, tem que ter apoio de outras instituições interessadas, e não teve isso”, disse em entrevista à rádio Arapuan, de João Pessoa.

Ora, é gravíssimo o presidente da Câmara desdenhar da tentativa de golpe quando há evidências de sobra de que ela ocorreu. Os acampamentos por semanas nas portas de comandos militares, que não só foram permitidos como incentivados com ordens do dia animadoras, instalação de geradores de energia e banheiros químicos; o custeio de aglomerações do tipo Brasil afora em frente de quarteis; as dezenas de ônibus que chegaram a Brasília; a quase explosão de um caminhão nos arredores do aeroporto do DF; o atentado à sede da PF e os ônibus e carros incendiados no dia da diplomação do eleito Luiz Inácio Lula da Silva; e o visível corpo mole de forças de segurança no 8 de janeiro, não deixam margem para dúvidas. Sem falar nas investigações da PF que apontam até armação para assassinar Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes, que ainda estão sob o escrutínio da Procuradoria-Geral da República.

A tentativa só não se materializou em golpe por não haver consenso entre os chefes militares. Diante disso, a ideia dos milicos e civis do comando golpista foi a de criar tumulto suficiente para forçar e justificar uma intervenção militar – diga-se, grito de ordem durante todas as manifestações desde a vitória de Lula até o fatídico 8 de janeiro. É certo que os líderes golpistas usaram incautos como massa de manobra, muitos condenados a penas de 17 anos em regime fechado.

Pode-se até contestar o peso das penas que o STF impôs a muitos dos 371 condenados. Algo excessivo que, como todo exagero, fere a razão e acaba por contribuir para que a gritaria pró-anistia ganhe corpo. Não à toa, é na injustiça das penas, superior à de condenados com antecedentes criminais e até homicidas, que os bolsonaristas se apegam para tentar aliviar a barra do chefe.

Mais safo, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que voltou à presidência do Senado, não empenhou apoio ao tema – “anistia não vai pacificar o Brasil”. Mas, na mesma linha de Motta, disse que não se furtará ao debate.

A outra aposta é a mudança da Ficha Limpa, lei que Bolsonaro, nos seus espertos devaneios persecutórios, disse que só existe para impedir a direta e que deveria ser extinta. O abrandamento da lei arregimenta simpatias no Congresso para além da horda bolsonarista, visto que não são poucos os políticos que podem se enrolar nela. Mas dificilmente será aceito pelo Supremo e, principalmente, pela opinião pública. Até porque a ideia que vigora dentro da Câmara é um acinte: reduzir a inelegibilidade de oito para dois anos. Ou seja, pena zero em um país que tem eleições em todos os anos pares.

Mudar uma lei de iniciativa popular como a Ficha Limpa ou tentar anistiar os que se embrenharam em uma aventura golpista são atentados graves à democracia. Neles, a balbúrdia e o vandalismo são substituídos por arranjos espúrios, mas igualmente lesivos ao país.

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  • A jornalista Mary Zaidan tem textos publicados, entre otros, na revista Veja e no blog Metrópoles.

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