A ponte

Orlando SAMPAIO SILVA

Quero construir uma ponte

que propicie

passagem à felicidade

e à vida com dignidade

aos infelizes

e aos que vivem oprimidos;

que leve

aos escravizados, a libertação;

ponte que promova o encontro

dos filhos com os pais

e dos pais com os filhos;

ponte

que favoreça o aconchego

entre os que se amam,

que leve aos intranquilos a paz de espírito,

a saúde aos doentes,

a sabedoria aos que pouco sabem,

o alimento aos que passam fome,

que propicie água aos que têm sede;

ponte que dê

moradia aos que não têm onde viver;

ponte que alimente

as fantasias e os sonhos das crianças,

a alegria do vigor e do amor aos jovens,

o descanso aos que estão exaustos,

a sanidade aos que sentem dor,

os ideais mais puros

aos que não os possuem,

a paz aos que estão em guerra,

o trabalho digno aos que não o têm;

ponte

que ofereça vestes que aquecem

aos que sentem frio,

calçados aos que estão descalços,

justiça aos injustiçados,

a paternidade e a maternidade

aos que não têm filhos,

a companhia amiga

aos que estão na solidão,

a solidariedade fraterna

aos abandonados;

ponte

que ilumine os caminhos dos que estão perdidos;

que leve autonomia de movimentos

aos que por si não se podem locomover,

que devolva a visão aos que não enxergam,

a audição aos que não ouvem,

e a palavra aos que não falam;

ponte

que beneficie com a remissão

aos que sofrem da mente.

Quero construir a ponte

que permita o encontro

do espiritual com o material

e do imaterial com a concretude;

que sintetize em um só corpo

a realidade e a fantasia.

Ponte que coloque

os bons em lugar dos maus

e que torne bons

aqueles que praticam maldades.

Ponte

que propicie

a música aos que amam as sinfonias,

a lógica aos que agem como se irracionais fossem,

a ética aos aéticos,

a ciência aos que a negam.

Ponte que ofereça

a percepção transcendente aos que se angustiam

ante a infinitude espacial e a eternidade temporal;

ponte que dê

a tranquilidade e a paz de espírito

aos intranquilos e aos angustiados,

a coragem aos covardes;

ponte

que ofereça memória aos desmemoriados.

Ponte para

os que querem subir aos píncaros

mas que só descem aos abismos;

ponte que propicie vitórias

aos que aspiram o triunfo,

mas apenas têm o fracasso.

Ponte

que refaça o laço originário

entre a natureza e a cultura,

que irmane

a racionalidade objetiva e os mistérios,

que reduza as oposições

entre dogmatismo e racionalidade;

ponte

que ilumine o continuum vida - morte.

Ponte

que estabeleça a essência única

entre mito e realidade empírica,

que unifique o ser e o não-ser,

que elimine as oposições

entre o eu e o outro,

entre o concreto e o abstrato.

Quero construir a ponte que leve

aos que mentem

o compromisso com a verdade;

que permita o reencontro entre traidores e traídos

que irmane os que crêem e os incrédulos;

ponte que doe os valores dos humanistas e dos justos

aos pobres de espírito,

e que leve a luz da vida

aos que vivem nas trevas.

São Paulo, 18.../02/2021