A IDADE DA GENTE
- Professor Seráfico
- 6 de abr.
- 4 min de leitura
Vitoria Seráfico*
Nasci em 1943. Primeira metade do século XX, como gostava
de dizer meu professor Paulo Mendes. Portanto, sou de uma época em
que a moral e os bons costumes faziam parte do ensinamento dos pais,
no dia-a-dia de seus pimpolhos. Muitas coisas – boas e corretas – nos
eram transmitidas, baseadas não só na palavra, mas nos exemplos de
vida e de convívio dentro das famílias. Além da prática da partilha, da
solidariedade em todos os momentos, os cuidados com a higiene
pessoal, o zelo pela coisa alheia, o respeito às pessoas, quaisquer que
fossem elas – o empregado, o parente, o vizinho, enfim. Como se dizia,
dar as horas também era atestado de boa educação.
Mas o tempo passou, inverno chegou, a barba
cresceu, e as coisas mudaram. Umas, pra melhor; outras, infelizmente,
pra pior.
Por favor; desculpe-me!; com licença!; como vai? e
outras, são expressões que sumiram do nosso cotidiano. Ninguém mais
(ou quase ninguém) as adota. Afinal, o celular não permite esta perda
de tempo.
Como eu digo, se, por um lado, há coisas positivas, por outro,
algumas nem tanto. Porém, como não nos compete julgar, mas sim nos
adaptar ao que vier, sigamos em frente, sem rabugices, viu? Assim, a
vida se torna mais leve pra nós e pros outros. Façamos a nossa parte, e
deixemos que os cães ladrem e a caravana passe. É o que nos resta.
Lembro-me de que, quando eu era menina (ponha
tempo!...), um item absolutamente proibido, inadmissível mesmo,
horroroso, tenebroso, o mais oso que pudesse ser, era perguntar a idade
de uma pessoa. Principalmente de uma mulher! Pobre do homem que
cometesse este terrível pecado! Na hora, era tachado de mal-educado,
grosseirão, sujeito sem classe. Talvez influenciados por este princípio,
há homens que até hoje adotam este (elegante, sem dúvida)
comportamento.
O pior é que esta teoria ganhou cada
vez mais adeptos, e, a partir de então, qualquer mulher – sobretudo as
mais entradas nos anos (como se dizia na casa da vovó) - se sentia
ofendida quando recebia tal pergunta.
Ora pois, pois. Quanta bobagem! No meu entender, a idade das
pessoas é um item como outro qualquer. Faz parte do cardápio da
cidadania. Como é o seu nome? Onde você mora? E assim, por diante.
Idade é dado, sim. E dado dos mais importantes. Por outro lado, o fato
de você ter que dizer a sua (avançada) idade não deve lhe causar
vergonha; antes, ser um motivo de satisfação. Chegar à velhice é um
privilégio. Dos maiores. O maior, talvez.
Pensando com meus botões, arrisco dizer que a tal teoria talvez
responda por um certo, digamos, complexo que a mulher tem, de dizer
a idade. E, em consequência, também pode ter despertado o interesse
pela cirurgia plástica. Pode ser, né?
Se a minha opinião tiver algum fundamento, os cirurgiões
plásticos devem ter julgado magnífica a descoberta. Sim, transformar
um rosto de 50 em outro de 35 é um troféu. Aí, a madame –
envergonhada de declarar suas cinco décadas de vida – com toda
soberba, levantando o nariz, responde, ante a indigesta pergunta:
- tenho 35 anos.
Olha, que beleza, hein?
Chego a pensar que esta teoria também pode ter influenciado o
setor da Moda. “Com cara de 60, não me fica bem uma minissaia. Mas
com uma plástica que me retenha uns 15 anos, talvez dê pra eu
arriscar...”
Por tudo o que vejo, ouço, assisto, observo,
avalio, a respeito, começo a me preocupar: será que sou normal?... ou,
antes, anormal?
Explico: nunca, em fase alguma da minha vida (e olha que já
vivi um bocado!), procurei enganar a idade. A questão idade jamais me
tirou o sono. Muito menos, rugas. Dia algum me pus frente ao espelho,
pra ver se há rugas novas, já fixadas, outras nascendo ... nunca!
Primeiro, porque quero viver muito, morrer bem velhinha; bem
engelhadinha, digo. Logo, o que me cabe? Esperar que as rugas
cheguem. Aliás, pedir que elas cheguem. Nada me interessa sair de
cena antes que elas se instalem. E se ainda não chegaram com a força
que já lhes é permitido chegar (81 aninhos), só tenho a agradecer a
Deus, pela saúde que me oferece, e, principalmente, pela minha alegria
de viver. Viver é bom demais!
Porém, esclareço: não temer as rugas não significa descuidar-se,
deixar a vida nos levar - à la Zeca Pagodinho - como ela entender, bem-
tratada ou maltratada. Nada disso. Na vida, tudo requer bom trato.
Imagine nós, pessoas! Sobretudo, mulher! Daí eu não desprezar – só
quando a preguiça bate – o meu Hypoglós, com creme nívea, já cantado
em prosa e verso por mim, numa crônica. É ele quem segura as pontas.
E, assim, vai dando pra eu enganar os trouxas. Sem diminuir a idade.
Contudo, seria ingenuidade minha pensar que será sempre assim.
Não; sei que o meu dia vai chegar, as pálpebras vão arriar, a boca vai
esgarçar e, a partir daí, um tsunami vai devastar tudo, de vez. . . . E
Vitória Seráfico não será a mesma! Mas, repito, quero morrer bem
engelhadinha. Numa das minhas crônicas, digo que eu gostaria de que,
no meu Atestado de Óbito, fosse registrado: causa-mortis: velhice.
Na verdade, eu até acho que, pra qualquer pessoa (homem
também já está nessa), é bem mais agradável as pessoas não
acreditarem na idade que você revela, por acharem sua aparência mais
jovem do que a idade verdadeira. Estou certa? Péssimo é você dizer que
tem 54, e, por trás das bombas, surgir o comentário maldoso (e,
convenhamos, justo): o quê? Pois ela(e) tem cara de 60!
Certa vez, alguém, debochando de uma senhora que diminuía a
idade, disse no grupo em que se reuniam alguns amigos:
- o quê? Ela só tem isso? Não parece!
Outro do grupo concluiu, despertando gargalhadas:
- sabe o que é? Ela desconta sábados, domingos, feriados e dias
santos.
Então, vamos combinar: viver é bom, envelhecer, também. No
nosso calendário, consideremos todos os 365 (ou 366) dias, sem
estresse, tá?
Mas, queridos amigos(as), pra quem não quer envelhecer só
existe AQUELA alternativa. Vai encarar?
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*Vitória Seráfico é formada em Letras/UFPA, cronista, trabalha com artes visuais e escreveu o texto acima este ano - em que a preocupação com o envelhecimento parece ter-se espalhado por todos os continentes, todas as famílias e todas as pessoas, de todas as faixas etárias.
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