top of page

A IDADE DA GENTE


Vitoria Seráfico*


Nasci em 1943. Primeira metade do século XX, como gostava

de dizer meu professor Paulo Mendes. Portanto, sou de uma época em

que a moral e os bons costumes faziam parte do ensinamento dos pais,

no dia-a-dia de seus pimpolhos. Muitas coisas – boas e corretas – nos

eram transmitidas, baseadas não só na palavra, mas nos exemplos de

vida e de convívio dentro das famílias. Além da prática da partilha, da

solidariedade em todos os momentos, os cuidados com a higiene

pessoal, o zelo pela coisa alheia, o respeito às pessoas, quaisquer que

fossem elas – o empregado, o parente, o vizinho, enfim. Como se dizia,

dar as horas também era atestado de boa educação.


Mas o tempo passou, inverno chegou, a barba

cresceu, e as coisas mudaram. Umas, pra melhor; outras, infelizmente,

pra pior.

Por favor; desculpe-me!; com licença!; como vai? e

outras, são expressões que sumiram do nosso cotidiano. Ninguém mais

(ou quase ninguém) as adota. Afinal, o celular não permite esta perda

de tempo.

Como eu digo, se, por um lado, há coisas positivas, por outro,

algumas nem tanto. Porém, como não nos compete julgar, mas sim nos

adaptar ao que vier, sigamos em frente, sem rabugices, viu? Assim, a

vida se torna mais leve pra nós e pros outros. Façamos a nossa parte, e

deixemos que os cães ladrem e a caravana passe. É o que nos resta.

Lembro-me de que, quando eu era menina (ponha

tempo!...), um item absolutamente proibido, inadmissível mesmo,

horroroso, tenebroso, o mais oso que pudesse ser, era perguntar a idade

de uma pessoa. Principalmente de uma mulher! Pobre do homem que

cometesse este terrível pecado! Na hora, era tachado de mal-educado,

grosseirão, sujeito sem classe. Talvez influenciados por este princípio,

há homens que até hoje adotam este (elegante, sem dúvida)

comportamento.


O pior é que esta teoria ganhou cada

vez mais adeptos, e, a partir de então, qualquer mulher – sobretudo as


mais entradas nos anos (como se dizia na casa da vovó) - se sentia

ofendida quando recebia tal pergunta.

Ora pois, pois. Quanta bobagem! No meu entender, a idade das

pessoas é um item como outro qualquer. Faz parte do cardápio da

cidadania. Como é o seu nome? Onde você mora? E assim, por diante.

Idade é dado, sim. E dado dos mais importantes. Por outro lado, o fato

de você ter que dizer a sua (avançada) idade não deve lhe causar

vergonha; antes, ser um motivo de satisfação. Chegar à velhice é um

privilégio. Dos maiores. O maior, talvez.

Pensando com meus botões, arrisco dizer que a tal teoria talvez

responda por um certo, digamos, complexo que a mulher tem, de dizer

a idade. E, em consequência, também pode ter despertado o interesse

pela cirurgia plástica. Pode ser, né?

Se a minha opinião tiver algum fundamento, os cirurgiões

plásticos devem ter julgado magnífica a descoberta. Sim, transformar

um rosto de 50 em outro de 35 é um troféu. Aí, a madame –

envergonhada de declarar suas cinco décadas de vida – com toda

soberba, levantando o nariz, responde, ante a indigesta pergunta:

- tenho 35 anos.

Olha, que beleza, hein?

Chego a pensar que esta teoria também pode ter influenciado o

setor da Moda. “Com cara de 60, não me fica bem uma minissaia. Mas

com uma plástica que me retenha uns 15 anos, talvez dê pra eu

arriscar...”

Por tudo o que vejo, ouço, assisto, observo,

avalio, a respeito, começo a me preocupar: será que sou normal?... ou,

antes, anormal?

Explico: nunca, em fase alguma da minha vida (e olha que já

vivi um bocado!), procurei enganar a idade. A questão idade jamais me

tirou o sono. Muito menos, rugas. Dia algum me pus frente ao espelho,

pra ver se há rugas novas, já fixadas, outras nascendo ... nunca!

Primeiro, porque quero viver muito, morrer bem velhinha; bem

engelhadinha, digo. Logo, o que me cabe? Esperar que as rugas

cheguem. Aliás, pedir que elas cheguem. Nada me interessa sair de

cena antes que elas se instalem. E se ainda não chegaram com a força

que já lhes é permitido chegar (81 aninhos), só tenho a agradecer a

Deus, pela saúde que me oferece, e, principalmente, pela minha alegria

de viver. Viver é bom demais!

Porém, esclareço: não temer as rugas não significa descuidar-se,

deixar a vida nos levar - à la Zeca Pagodinho - como ela entender, bem-

tratada ou maltratada. Nada disso. Na vida, tudo requer bom trato.

Imagine nós, pessoas! Sobretudo, mulher! Daí eu não desprezar – só

quando a preguiça bate – o meu Hypoglós, com creme nívea, já cantado

em prosa e verso por mim, numa crônica. É ele quem segura as pontas.

E, assim, vai dando pra eu enganar os trouxas. Sem diminuir a idade.

Contudo, seria ingenuidade minha pensar que será sempre assim.

Não; sei que o meu dia vai chegar, as pálpebras vão arriar, a boca vai

esgarçar e, a partir daí, um tsunami vai devastar tudo, de vez. . . . E

Vitória Seráfico não será a mesma! Mas, repito, quero morrer bem

engelhadinha. Numa das minhas crônicas, digo que eu gostaria de que,

no meu Atestado de Óbito, fosse registrado: causa-mortis: velhice.

Na verdade, eu até acho que, pra qualquer pessoa (homem

também já está nessa), é bem mais agradável as pessoas não

acreditarem na idade que você revela, por acharem sua aparência mais

jovem do que a idade verdadeira. Estou certa? Péssimo é você dizer que

tem 54, e, por trás das bombas, surgir o comentário maldoso (e,

convenhamos, justo): o quê? Pois ela(e) tem cara de 60!

Certa vez, alguém, debochando de uma senhora que diminuía a

idade, disse no grupo em que se reuniam alguns amigos:

- o quê? Ela só tem isso? Não parece!

Outro do grupo concluiu, despertando gargalhadas:

- sabe o que é? Ela desconta sábados, domingos, feriados e dias

santos.

Então, vamos combinar: viver é bom, envelhecer, também. No

nosso calendário, consideremos todos os 365 (ou 366) dias, sem

estresse, tá?

Mas, queridos amigos(as), pra quem não quer envelhecer só

existe AQUELA alternativa. Vai encarar?

________________________________________________________________________

*Vitória Seráfico é formada em Letras/UFPA, cronista, trabalha com artes visuais e escreveu o texto acima este ano - em que a preocupação com o envelhecimento parece ter-se espalhado por todos os continentes, todas as famílias e todas as pessoas, de todas as faixas etárias.

Posts recentes

Ver tudo
GLAUBER FICA

O Conselho de Ética da Câmara Federal perdeu a ética e se transformou num conselho inquisitorial. Sim, nos mesmos moldes do medievalismo,...

 
 
 
É preciso sair do imobilismo

Roberto Amaral * Estamos a 61 anos do golpe de 1º de abril de 1964, e a 40 anos do fim da ditadura. Mesmo após a reconstitucionalização,...

 
 
 

Comments


bottom of page