A Vontade de Potência
Autor : Orlando Sampaio Silva
Editora Chiado, Lisboa, Portugal, 2013
Resenha
No momento em que se instala uma comissão dedicada à busca da verdade histórica, é mais que oportuno o aparecimento de um livro que se chama A vontade de potência. Sobretudo pela contribuição que a obra oferece à compreensão de largo período de nossa história. Mesmo que o autor (ORLANDO SAMPAIO SILVA) negue o propósito de fazer historiografia ou ficção histórica, em seu relato são encontrados subsídios e informações interessantes para a reconstrução da História. Tais informações não são alheias à espécie referida pelo autor - a memorialística - e apresentam a vantagem de consubstanciar ilustrativo e lúcido testemunho. Pois muitos dos acontecimentos interpretados têm o autor, não raro, também como protagonista.
A obra pode ser incluída na classificação Política. Melhor, ainda, a participação de um segmento social diferenciado nas ações políticas, em determinado período de nossa história. A presença dos militares nas disputas pelo poder (que é a Política, se não isso?) é analisada com o discernimento de quem dedicou toda uma vida profissional à Antropologia, mas não se circunscreve ao espaço e à metodologia essencialmente acadêmica. Se esta geralmente se expressa pela abundância de citações e referências bibliográficas, a obra ora resenhada é enriquecida pela presença do autor em vários dos episódios revelados.
A alguns leitores pareceria descabida a inserção de extenso capítulo em que são descritos procedimentos próprios da caserna, aquilo que constitui o verdadeiro ethos militar. Os que passaram parte de sua juventude no serviço militar, certamente, ainda guardam na memória muitas das peculiaridades dos quartéis. Mas nem todos os leitores - a maioria deles - conhecem as práticas, procedimentos e condutas pessoais dos membros das corporações castrenses. Daí a relevância do capítulo acima mencionado (Cap. II - Uma visão de mundo específica). Sem sua leitura atenta, torna-se mais difícil compreender boa parte do que é analisado pelo antropólogo e professor aposentado da UFPA. Aposentado pelo AI-5.
Ainda que tocado pelo desejo de testemunhar uma época, um segmento social e o comportamento desse segmento em relação ao poder, ao longo de um século e meio, ORLANDO SAMPAIO SILVA não se deixa trair pelas próprias preferências políticas ou ideológicas. Ao contrário, põe rigor a que se acostumaram os melhores acadêmicos, sem incorrer no pedantismo e na autossuficiência frequentemente registrados.
Os movimentos políticos que sacudiram o País, desde o Segundo Império até a queda da ditadura Vargas, em 1945, são o cenário em que se insere a participação dos militares na política brasileira. Extrai-se das páginas de A vontade de potência, por exemplo, a reiterada comunhão de interesses entre militares e maçons. Bastaria indicar o duplo papel do Duque de Caxias, a um só tempo repressor de forças adversas ao regime e Grão-Mestre da Maçonaria Brasileira. Não é só. Mesmo a Tríplice Aliança (Uruguai, Argentina e Brasil) que lutou contra o Paraguai pode ter sido obra da fraternidade maçônica, eis que, como Caxias, Flores e Mitre também prestavam reverência ao arquiteto do universo.
Outro ponto a destacar, dentre os inúmeros fatos analisados, é a sucessão de golpes de Estado experimentados na política brasileira. Do golpe da maioridade de D. Pedro II ao golpe militar de 1964, com a queda do Império (1889) no meio, a presença militar se faz marcante - e, frequentemente, decisiva. Talvez nenhum livro anterior traga isso com a clareza que ORLANDO SAMPAIO SILVA nos oferece.
O Capítulo III - Período democrático descreve com riqueza de detalhes o lapso de tempo decorrido desde o fim da ditadura Vargas e a restauração do presidencialismo, com João Goulart (1963). Sob a Constituição de 1946, o Brasil viveu sua primeira primavera democrática, interrompida 18 anos após. Mesmo aí, tentativas de ruptura institucional são registradas, como tão bem ORLANDO SAMPAIO SILVA narra no livro.
O último capítulo do livro é dedicado à análise da empolgação do poder pelos militares, com a instauração, em 1 de abril de 1964, do período dos presidentes exclusivamente militares - e generais. O fato de ser um dos perseguidos pelo golpe militar que o tirou da academia não milita em favor da distorção dos fatos, ou de sua apreciação tendenciosa. Aqui, o acadêmico falou mais alto que a testemunha. E isso é bom para o leitor. E para quantos buscam a verdade.
Dizer mais sobre a oportuna e indispensável contribuição para o conhecimento de nossa história seria avançar demais no que é uma simples resenha. Apenas algumas observações parecem caber, antes que se reivindique e aconselhe a leitura de A vontade de potência a todos os que desejem saber mais - e melhor - sobre a trajetória da sociedade e do Estado brasileiros.
DE USO EXCLUSIVO DO AUTOR
Vamos, portanto, às observações, com o aviso de que em nada comprometem o conteúdo, a metodologia e o discernimento com que o autor elaborou sua valiosa obra.
1. Senti a falta dos nomes dos treze generais presos por terem reivindicado a Floriano Peixoto a eleição para substituí-lo (p.27).
2. Igual carência omite a ocupação do governo do Rio Grande do Norte, quando da revolução de 1935, por um operário - Praxedes.
3. A repetição de expressões como dito acima, como informado... parecem inadequadas, cabíveis em livros didáticos por excelência.
4. A má disposição das notas prejudica sua leitura e, portanto, dificulta a recuperação oportuna de informações utilíssimas para o melhor entendimento do texto a que se referem.